“Portanto, despojando-vos de toda impureza e
acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual
é poderosa para salvar a vossa alma. Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e
não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é ouvinte
da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho,
o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se
esquece de como era a sua aparência. Mas aquele que considera, atentamente, na
lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente,
mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar. Se alguém
supõe ser religioso, deixando de refrear a língua, antes, enganando o próprio
coração, a sua religião é vã. A religião pura e sem mácula, para com o nosso
Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si
mesmo guardar-se incontaminado do mundo.” (Tg 1.21-27)
Tiago escreve sua
epístola possivelmente aos primeiros cristãos judeus que foram perseguidos em
Jerusalém e tiveram que se espalhar. Seu propósito era instruí-los e
encorajá-los para um viver diário na presença de Cristo diante das
complexidades e perplexidades da vida. Tiago pode ser chamado de o manual
prático da religião cristã, ou quem sabe um guia prático para a vida e conduta
cristã. É o livro de Provérbios do Novo
Testemento. Tiago é uma epístola que trata da fé em ação, do fazer para
acontecer no futuro, da prática da Palavra como confissão de fé, da prática de
obras para demonstrar a fé. É bom que notemos a ênfase que Tiago dá a Palavra
de Deus para moldar e corrigir a vida dos seguidores de Jesus Cristo. E dentro
desta ênfase o tema “sabedoria” quanto dom que procede de Deus, ocupa um lugar
proeminente em sua epístola. Para Tiago é necessário que a sabedoria permeie
nossas ações para que possamos praticar um cristianismo vivo, para que a fé
tenha obras, para que a conduta cristã seja ética, e para que a Palavra de Deus
exerça um testemunho fiel. Essa sabedoria que Tiago descreve, não vem de
livros, não vem dos acadêmicos, não vem dos intelectuais deste tempo, essa
sabedoria vem de uma única fonte, vem de Deus! “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a
todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida”. (Tg 1.5).
A sabedoria que vem
de Deus é aquela capacidade que temos de julgar corretamente, e agir
prudentemente. Por isso, uma das preocupações da sabedoria é que se viva o que
se sabe. O tema central do livro de
provérbios é “sabedoria para um viver justo, para uma vida correta”, e seu
propósito é “Dar sabedoria e entendimento quanto ao comportamento sábio”.
Isso, porque a sabedoria bíblica não é simplesmente teórica. Sendo assim,
pode-se declarar que, biblicamente falando, a pessoa sábia não é a que sabe,
mas sim a que vive. Essa é a sabedoria divina que vem do alto, do Pai das
luzes.
Como ser sábio? É difícil ser sábio? Porque é difícil ser sábio? Porque
é difícil agir com sabedoria. E porque é difícil agir com sabedoria? Porque
precisamos aliar o que sabemos ao que praticamos. A sabedoria divina não é um
compêndio teológico vazio de significado, ela é na verdade um exercício
constante da fé que nos é revelada na Palavra de Deus. Portanto, firmados
neste texto de Tiago que nos ensina como ser sábios, podemos dizer que:
SABER E NÃO PRATICAR É ENGANAR
A SI MESMO (Tg 1.21-22; 26-27)
Tiago recomenda enfaticamente que o que se sabe seja vivido. Quem
conhece, sabe de cor, mas não vive, engana a si mesmo. Pode até enganar outros
passando a impressão de ser uma pessoa piedosa e santa, mas na verdade, vai
enganar apenas a si mesmo. A Deus jamais enganará. Lembre-se que os homens veem
o exterior, a aparência, a máscara, mas o Senhor vê o coração.
Tiago diz: Vocês devem se
despojar de toda impureza, acúmulo de maldade e acolherem com mansidão
(humildade) a Palavra em vós implantada porque ela é poderosa para salvar a
alma.
Tiago diz, “livrem-se”, em que
no grego aparece como “apothemenoi”
e que significa “pôr para fora, despojar-se”, é uma metáfora que indica o ato
de tirar roupas. O cristão deve se livrar de tudo aquilo que impede o
crescimento espiritual e uma vida mais comprometida com Deus. Por isso Tiago
traz a afirmação: “livrem-se de toda impureza moral e da maldade que
prevalece”. Impureza aqui vem do grego “ryparia”
que significa “sujeira, imundícia”. A palavra era usada para descrever roupas
sujas, bem como uma conduta moral impura e vulgar. E maldade significa mal,
malícia. Esta palavra também pode ser traduzida como “iniqüidade”. Desta forma,
impureza e maldade representam uma postura indigna para aquele que se chama
cristão.
Segundo Tiago, a atitude sábia e correta é aceitar “humildemente a
palavra que em nós foi implantada”, ou seja, acolher os preceitos divinos,
vivendo sabiamente por eles, indicando que o Evangelho de Cristo passa a
dominar o nosso ser por inteiro, formando em nós uma nova perspectiva de vida.
Aí então esta Palavra implantada nos leva a desfrutar da obra da salvação em
toda sua plenitude.
Tiago também diz que muitos se
consideram religiosos, mas por não praticarem aspectos importantes dos
preceitos divinos enganam o próprio coração abraçando uma religião vã (vazia,
sem sentido, ineficaz). (Tg 1.26-27).
Veja que Tiago trás exemplos práticos para exercermos a verdadeira
religião, ou a verdadeira piedade diante de Deus: Controlem a língua, tenham
compaixão pelos necessitados e vivam uma vida santa. Para Tiago o Cristianismo
é essencialmente vida! vida com Deus que se reflete no relacionamento com os
homens. E a vida cristã aqui manifesta-se nos aspectos citados. Expressem sua vida cristã desta forma
(controlem a língua, tenham compaixão dos necessitados e vivam uma vida santa). A fé
que você tem é a fé que você deve demonstrar!
Irmãos nós precisamos entender
que nós somos a Bíblia que o mundo lê e interpreta. Você tem guardado seus lábios, tem
procurado ouvir mais e falar pouco, e neste pouco falar somente palavras
temperadas com sal, dando ênfase somente no que edifica? Quantos irmãos temos
visitado para os ajudar em suas dificuldades e tribulações, sejam eles órfãos,
viúvas, solteiros, casados, jovens, idosos? Você tem hoje uma vida santa?
Quem sabe destas coisas e não
pratica engana-se a si mesmo.
Jesus nos advertiu com referência a pessoas que tem aparência de santidade, mas
que na verdade não são o que aparentam ser, e lhes preparou um juízo quando se
der a sua volta: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos
céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos,
naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós
profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome
não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos
conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade. (Mt 7.21-23)
SABER E NÃO PRATICAR É UMA
ATITUDE PERIGOSA (Tg 1.23-24)
Tiago usa uma metáfora curiosa e interessante para ilustrar o perigo de
saber a Palavra de Deus, mas não obedecê-la. Fazendo uso desta ilustração, ele
diz que quem age assim é igual a uma pessoa que contempla sua própria imagem no
espelho, mas depois de se admirar e sair, logo se esquece de como era sua
aparência.
Na verdade aqui Tiago nos mostra a Palavra como Espelho, e todos nós
sabemos da utilidade de um espelho. Ele justamente nos mostra como estamos.
Assim é a Palavra de Deus. Quando observamos nossa vida e a refletimos no
espelho da Palavra podemos saber o que somos e como estamos.
Sabemos que um espelho comum possui limitações por si só. Por exemplo:
ele não consegue mudar nossa fisionomia como muitos de nós gostaríamos. Eu me
sentiria feliz se olhando para o meu espelho eu estivesse um pouco mais magro,
sem barriga, sem marcas no rosto, etc. Porém, o espelho é limitado e
simplesmente reflete o que sou ali. Entenda queridos, a simples leitura da
bíblia não me torna sábio ou transforma minha vida de repente num santo de
Deus, mas sim por muitas vezes me confrontará e me mostrará minhas
deficiências, imperfeições e tendências que preciso corrigir.
O biblista Luís Alonso Schokel afirma sobre esse texto: “Aqui é um personagem que se olha no
espelho para ver como está sujo e despenteado, e quando sai se esquece de
arrumar-se. Pouco lhe valeu olhar-se no espelho”. Será que nós ao nos
confrontarmos no espelho da Palavra e vermos que estamos sujos e despenteados,
e ao sairmos estamos nos arrumando como deveríamos? O que adianta saber e não
viver? De que vale conhecer e não obedecer. “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está
pecando” (Tg 4.17).
Entenda queridos o mero
ouvinte da Palavra vê as falhas por corrigir, mas não se incomoda e as esquece. Esse não é o procedimento adequado, e se
torna perigoso a medida que posso me achar um santo, um piedoso, um cristão
fiel e dedicado e não ser. Reflita nisso: O conhecimento que temos de
Deus e de sua santidade deve levar-nos também a santidade. Deus não espera que
sejamos enciclopédias bíblicas ambulantes, mas santos. Sem medo de errar eu
posso lhe afirmar que a maior necessidade da igreja de Cristo em nossos dias é
de “santos”.
E não santos como meros separados para Deus, e sim “santos” como
cristãos que levam uma vida tão íntima de Deus que impressionam o mundo com o
seu caráter e não com o seu discurso.
SABER E PRATICAR É ALGO
ABENÇOADOR (Tg 1.25)
Ao continuar seu aula sobre como ser sábio associado à prática da
Palavra, Tiago finalmente chega a uma conclusão inevitável de que a benção
divina é prometida aos que vivem o que sabem que devem viver. (Tg 1.25). Veja
que é prometida uma bem-aventurança para todos aqueles são obedientes a Palavra
em tudo o que realizarem. Veja! Felizes são aqueles que consideram atentamente,
perseveram e praticam produtivamente a Palavra. Esse considerar atentamente
nos traz a idéia de uma pessoa debruçada sobre a Palavra de Deus, atenta e
que verifica cuidadosamente os ensinamentos da Escritura, ou seja, é um
verdadeiro examinador. Outra coisa que notamos aqui é um contraste claro entre
o “esquecer” do verso 24 e o “perseverar” do verso 25. E o que diferencia o
ouvinte do praticante? A obediência.
Tiago chama o Evangelho de lei
perfeita, de lei da liberdade.
A lei da liberdade é a lei do Espírito, em que somos dirigidos por Ele de forma
a cumprimos a vontade de Deus em nossa vida. Ao contrário da crença popular,
que imagina a “lei” como um mecanismo que tira a liberdade das pessoas as
escravizando por meio de regrinhas. A lei de Deus é apresentada aqui como sendo
exatamente o contrário – a lei é a fonte da verdadeira liberdade! E essa
liberdade é vivida pelos que praticam a Palavra de Deus em suas vidas. Paulo
nos diz em Gálatas: Foi para liberdade que Cristo nos libertou. Obedecer a
Palavra é encontrar o caminho da liberdade do pecado e caminhar debaixo das
bênçãos de Deus.
Na conclusão do sermão do
monte (Mt 7.24-27), Jesus
declarou que aquele que ouve e pratica suas palavras é bem sucedido, ou seja,
sua vida com Deus e suas obras resistirão as intempéries da vida. Isso é um
sinal visível da benção de Deus sobre aquele que conhece e pratica a Palavra de
Deus.
Certa vez Jesus proferiu uma bem-aventurança para os que obedecem a
Palavra. “Ora, aconteceu que, ao dizer
Jesus estas palavras, uma mulher, que estava entre a multidão, exclamou e
disse-lhe: Bem-aventurada aquela que te concebeu, e os seios que te
amamentaram! Ele, porém, respondeu: Antes, bem-aventurados são os que ouvem
a palavra de Deus e a guardam! (Lc 11.27-28). A primeira semente da
mariolatria que temos registro, está aqui. Porém, pelo que interpretamos na
resposta de Jesus, entendemos que existe um valor muito maior em ouvirmos e
obedecermos a Palavra do que propriamente sabermos que foi Maria que trouxe
Jesus ao mundo.
É oportuno lembrar que nenhum de nós jamais será capaz de cumprir o
todo da Palavra de Deus. Somos limitados e imperfeitos. No entanto, admitir
nossa imperfeição nos libertará da escravidão do perfeccionismo. Porém, isso
não deve servir de desculpa para uma vida relaxada e descompromissada com a
práxis cristã. Continuamos dependentes do favor divino que recebemos sem
merecer, dependentes da graça de Deus.
“O temor do SENHOR é o
princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é prudência”. (Pv 9.10)
O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e este temor nos
impulsiona a praticarmos a Palavra. Quer ser sábio? Então pratique a Palavra de
Deus.
Bendito seja o Evangelho!
Pr. Flavio Muniz